A arte das cerejas

[12 maio 2013 | Pedro Mello e Souza | Sem comentários ]

Gauguin: "Nature Morte aux cerises"

Pintores como Cézanne, Fantin-Latour e até Gauguin, menos pródigo nas naturezas mortas, sabiam das coisas. Em seus quadros começa o festejado espetáculo da cereja, digno de festivais de Tóquio a Washington, que pontuam seus jardins do branco irrresistível da flor da fruta. O show continua no belíssimo fruto carnudo e delicado, batizado a partir da cidade de Cerasus, na Turquia, hoje maior produtora do mundo, de onde teria chegado ao Ocidente, há 25 séculos, provavelmente através dos gregos, que o batizaram κεράσι – ‘kerasi’.

 

Mesmo imortalizada pelo layout comercial, em vermelho vivo, os diversos tipos de cereja podem variar em cor do dourado ao púrpura quase negro, como o sabor, do doce ao insuportavelmente azêdo. O mais indicado é consumí-la crua ou assada com carnes fortes (lebre) ou caças elaboradas (patos e codornas), embora as tortas, compotas, geléias, licores, aguardentes como o ‘kirsch’ e o tradicional ‘maraschino’, além das cervejas aromatizadas (‘kriek’) sejam clássicos que o tempo não derruba do cenário clássico do paladar.

 

Cerejas na natureza morta de Louise Moillon (Reprodução)

O perfume da cereja é a dissipação de um aldeído quase floral. É referência na degustação de vinhos como os borgonhas e é um dos mais simulados pela indústria para a produção de itens que vão de balas e gelatinas a perfumes e detergentes. No imaginário, é finalização dos bolos brancos (hoje, o morango ganha preferência) e é um dos frutos-símbolo do Natal. Já no cultivo, é uma fruta exigente, que exige condições especiais de solo e, principalmente, de clima, já que não sobrevive com menos de 1.400 horas anuais de frio.

 

No Brasil, é quase impossiível obter mais de mil dessas horas. Em Portugal, o quadro muda. As áreas frias da Beira Interior e de Trás-os-Montes são berços de produções de frutas de qualidade, algumas com chancelas de reconhecimento oficial, como as da I.G.P. Cova da Beira, integrada por variedades como ‘de saco’, ‘espanhola’, ‘morangão’ e ‘napoleão pé comprido’. Já no Alentejo, pequeno mas importante produtor, surgem as cerejas ‘são julião’, defendidas por selo D.O.C., em torno de comunidades como Portalegre, Marvão e Castelo de Vide. Fora do microcosmo lusitano, o hemisfério norte se dedica ao desenvolvimento de dezenas de variedades.

 

Prancha do naturalista alemão Franz Eugen Kohler (Reprodução)

De todos os estudiosos na gastronomia, o inglês (claro!) Alan Davidson foi o mais suscinto e objetivo na separação entre as cerejas: as acres, as doces e as acridoces: no primeiro grupo, as claras, do tipo ‘amarelle’, com destaque para a parisiense ‘montmorency’, e as escuras, do tipo ‘griotte’, que tem a ‘morello’ entre as mais distintas. No segundo grupo, a fama é das cerejas do tipo ‘bigarreau’, de polpa quase crocante, e as ‘guignes’, mais suaves. Ambas estão no mercado sob mais de 900 denominações entre elas a ‘bing’, a ‘rainier’ e a ‘napoléon’, para as primeiras – e ‘tartarian’ e a’coe’s para as segundas. Por fim, Davidson destaca uma de origem francesa: a ‘royale’, rebatizada como ‘duke’ quando foi para a Inglaterra.

 

Cerejas inglesas, em foto de Elisa Correia

 

 

 

 

 


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