Finalmente, depois de décadas, saiu o reconhecimento oficial da denominação Gruyère. É um ato que, apesar do peso legal, corre o risco de ser enterrado como letra morta, pelo menos aqui no Brasil. Responsáveis pela prevaricação, há vários, como já aconteceu com o champanhes e mozarelas (não me encham o saco com ortografias e suas reformas – quem quiser “muçarela”, que escreva “cruassã”, pois ambos, igualmente patéticos, estão no dicionário).
De volta à indignação, me atenho ao meu mercado: já vi profissionais de comunicação agindo em relação ao caso como se uma denominação de origem fosse uma medalha que se recebe no colégio, por comer o lanche todo no recreio. Não é. É um título, um direito que se assume como um resultado de mérito e tradição assim como o grau de um médico ou de um advogado é alcançado, através de estudo, dedicação e comprovação de eficiência. A denominação equivale ainda a uma patente industrial, que se obtém, acima de tudo, por comprovar a autoria e, no caso das denominações, a procedência. Se o produto indica o lugar, só pode ser feito naquele lugar. Não há exceções.
Obter o reconhecimento de uma denominação de origem não é mole. São anos de fiscalizações técnicas, observação de regras centenárias, imposição de restrições, estabelecimento de limites, petições por proteções locais, lapidação de legislações nacionais e submissões a apreciações internacionais até que um pedido de apelação de origem protegida seja enviado ao único órgão global que pode outorgá-lo como as mais abrangentes mas igualmente exigentes (IGP e ETG) e a quase inatingível DOP (DOC não existe – e o que resiste é ridicularizado). Esse órgão de outorga é a União Européia ou, no caso de não componentes do órgão, as autoridades agrícolas de cada país.
Todos esses processos levam anos, às vezes mais de uma década – e a Gruyère é prova disso. Levou 17 anos para ser aprovada como IGP – Indicação de Origem Protegida. É menos sexy do que uma DOP, mas, na justiça, é igualmente potente, pois diz direitinho como foi feito, com que produtos, em que condições, em que quantidades. E, mais importante, onde. Afinal, trata-se de uma denominação de origem.
Mas eis que me chega um press release de um restaurante medalhado do Rio de Janeiro, que nos anuncia um cardápio com produtos como a Mozzarella di Bufala Campana sendo anunciadas com a certificação D.O.P., ou seja, como originais da região. Conhecendo bem os rigores abusivos da legislação de Tordesilhas em relação à importação de queijos, desconfio e pergunto à jornalista de onde vem o produto, realmente. A resposta foi sensacional: – de uma fazenda em São Paulo.
De duas, uma: ou enquadro a jovem por estelionato ou falsidade ideológica – são esses os casos, rigorosamente – ou começo a produzir meu Bordeaux em Juiz de Fora.
Em tempo: a chancela DOP da Mozzarella di Bufala Campana, a autêntica, está fazendo 10 anos. Levou 9 anos para ser conquistada, após longa e severa observância das especificações estipuladas pelo Instituto Italiano de Agroalimentação, antes de chegar aos boards da União Européia. E pode ser produzida SOMENTE nas próvíncias de Latina e Nápoles, na Campania, na área de Foggia, na Puglia, e em alguns municípios do estado de Molise, conforme publicado da versão do Diário Oficial que o organismo mantém, para manter o espertinhos bem informados. O leite, somente de um produção limitada de búfalas da raça italiana mediterranea criadas na região.